sábado, 23 de agosto de 2008

Internet e Sociedade em Rede

MANUEL CASTELLS

Introdução:
“Internet é o tecido de nossas vidas neste momento. Não é futuro. É o presente. (...) È o meio de comunicação e de organização. (...) A Internet é e será o meio de comunicação e de relação essencial sobre o qual se baseia uma nova forma de sociedade que nós já vivemos, eu chamo de sociedade em rede”.

Ponto 1: A Internet não se criou como projeto de lucro empresarial, mas desenvolveu-se a partir de uma arquitetura aberta e de livre acesso desde o início.

Ponto 2: A geografia da Internet se configura em dois tipos: a dos usuários e a dos provedores.

Ponto 3: Há uma divisão digital: a Internet contribui criando um mundo dividido entre os que têm e os que não têm Internet.

Ponto 4: A nova economia é das empresas que funcionam com e através da Internet.

Ponto 5: Não é a Internet que muda comportamentos, mas os comportamentos que mudam a Internet.

Ponto 6: A maior parte dos movimentos sociais e políticos do mundo usa a Internet como forma privilegiada de ação e organização.

Ponto 7: A Internet mantém uma relação direta com a atividade política organizada.

Ponto 8: Os governos não podem controlar a Internet.

Ponto 9: A Internet está se convertendo em um coração articulador dos distintos meios multimídia.

Ponto 10: “Internet é sociedade, expressa os processos sociais, os interesses sociais, os valores sociais, as instituições sociais”.

Principais referências bibliográficas

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e terra, 1999.
__________. Internet e sociedade em rede. IN: MORAES de (org). Por uma Outra Comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2003.

MORAES, Enio Junior. Ciberexistência, comunicação, educação. Transcrição editada de palestra proferida pelo autor no XI Encontro de Letras da Faculdade São Bernardo do Campo, em 10 de outubro de 2007.

sábado, 16 de agosto de 2008

R. R. Soares um pastor a serviço de Deus: uma análise Línguística sobre o seu discurso

INTRODUÇÃO

Em vista da infinidade de textos e gêneros presentes na nossa sociedade cuja finalidade é direcionar lingüisticamente os vários discursos. O presente trabalho pretende aplicar algumas linhas teóricas da lingüística cuja finalidade é dar um tratamento teórico ao gênero Sermão tão presente em nossa sociedade. Para entendermos melhor o texto escolhido cuja característica é de um gênero de grande influência na sociedade, analisaremos o discurso construído pelo Pastor R. R. Soares responsável pela Igreja Internacional da Graça de Deus.

O trabalho tem a intenção de investigar o discurso de um texto cujo gênero é Sermão veiculado no mês de Março de 2008, no Jornal “Show da Fé – O Jornal da Palavra de Deus”. O mentor é o Missionário R. R. Soares. Texto que nos motivou a investigá-lo por se tratar de um texto persuasivo cuja intenção é persuadir o leitor da necessidade de aceitar ao Senhor e a seus mandamentos, e como conseqüência, se filiar a “Igreja Internacional da Graça de Deus”.

Para alcançarmos nosso objetivo, utilizaremos as teorias da Coesão e Coerência Koch, I.V. & Travaglia, nos deteremos à anáfora e catáfora, e, na coerência ao principio de intencionalidade e aceitabilidade. Faremos um esboço de algumas linhas teóricas pertinentes a Análise do Discurso: gênero textual na concepção de Bakhtin para entendermos melhor o gênero Sermão e os conceitos que o cercam. Trataremos da noção de sujeito e autor para entendermos como o discurso se veicula dentro da instituição Igreja.

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Partimos da concepção de que a linguagem enquanto discurso não constituiu um universo de signos que serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social. Ela jamais é neutra ou inocente na medida em que por trás existe uma intenção.

Ela é o sistema de suporte das representações ideológicas vigentes em nossa sociedade. È elemento essencial entre o homem e a sua realidade como forma de inseri-lo nela, lugar de conflito e de confronto ideológico.

Seguindo a trilha aberta por Saussure, Bakhtin parte também do principio de que a língua é um fato social cuja existência funda-se nas necessidades de comunicação. No entanto, se afasta do autor genebrino ao ver a língua como algo concreto, fruto de manifestação individual de cada falante, valorizando assim a fala.

Como, através de cada ato de enunciação, se realiza a intersubjetividade humana, o processo de interação verbal passa a constituir, no bojo de sua teoria, uma realidade baseada na língua. Nessa situação o interlocutor não é um elemento passivo na constituição do significado.

De outro lado, todo texto pertence a uma categoria de discurso, a um gênero de discurso. Aos locutores está disposto uma infinidade de termos para categorizar a imensa variedade dos textos produzidos em uma sociedade por exemplo: manual, jornal, panfleto, reality show, etc. A denominação desses gêneros apóia-se em critérios muito heterogêneos e variam de acordo com seu uso necessário.

A cada necessidade da vida cabe um gênero especifico. Segundo Bakhtin (1997) “Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos que criá-los pela primeira vez no processo de fala, se tivéssemos que construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível.” Dentro do discurso religioso existe o gênero Sermão que tem sua especificidade e característica a de persuadir o leitor quanto a necessidade de aceitar o místico, o religioso (Deus) e a aceitar a veracidade do discurso do Pastor cujo fundamento é validado pelo discurso direto da Bíblia.

Entendemos o texto como uma unidade lingüística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor, ouvinte ou leitor), em uma situação de interação comunicativa, como uma unidade constituída de sentido e preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida em uma sociedade, independente de sua extensão.

Em nossa análise destacaremos o movimento de coesão e coerência cuja importância é ressaltada por uma grande mestra no assunto: Ingedore V. koch que destaca a importância desses dois movimentos na construção da tecitura do texto.

Concordamos com Halliday & Hasan (1976) apud Koch (2005) cuja definição de coesão se tornou clássica sobre o assunto. Estes apresentam o conceito de coesão textual, como um conceito semântico que se refere às relações de sentido existentes no interior do texto e que definem como um texto. Segundo eles, “a coesão ocorre quando a interpretação de algum elemento no discurso é dependente da de outro. Um pressupõe o outro, no sentido de que não pode ser efetivamente decodificado a não ser por recurso ao outro”.

De fato a coesão é parte do sistema de uma língua. E esse movimento está presente no texto amarrando as idéias e direcionando-o principalmente na argumentação. A coesão textual pode ocorrer por meio de processos de retomada de elementos. Pode ser por anáfora (retomada de um termo anterior) ou catáfora (retoma um termo posterior). Nossa análise focará esses dois movimentos textual que são responsáveis pela primeira tecitura do texto.

Outro fator importante para a legitimação do texto é a coerência e para entendermos melhor sua importância destacamos dois autores que a definem bem Charolles (1979: 81) apud Koch (2005) afirma que:

“A coerência seria a qualidade que têm os textos que permite aos falantes reconhecê-los como bem formados, dentro de um mundo possível (ordinário ou não). A boa função seria vista em função da possibilidade de os falantes recuperarem o sentido de um texto, calculando sua coerência”.

Diante disso podemos destacar o principio de interpretabilidade que é a capacidade dos usuários de recuperar o sentido do texto. Marcuschi (1983) também define o que é coerência “se há unidade de sentido no todo do texto quando este é coerente, então a base da coerência é a continuidade de sentidos entre os conhecimentos ativados pelas expressões do texto” (v. p. 72).

Para o texto a ser analisado utilizaremos a concepção de intencionalidade e aceitabilidade. Segunda Koch (2004)

“O produtor de um texto tem, necessariamente, determinados objetivos ou propósitos, que vão desde a simples intenção de estabelecer ou manter o contato com o receptor até a levá-lo a partilhar de suas opiniões ou a agir ou comportar-se de determinada maneira”.

Procuramos esboçar algumas categorias que achamos pertinentes destacar nesse texto, lembrando que não pretendemos esgotar o assunto ficando em aberto outras possíveis análises. Essas concepções esboçadas serão aplicadas no corpos a seguir, e tem a intenção de apreender os sentidos no/pelo texto. Vejamos a seguir como se constrói o discurso religioso “Sermão”.

2. ANÁLISE DE MATERIAL

Começamos a analise pelo titulo “Falta pouco para viver vitoriosamente”, esse pouco está relacionado ao fato de faltar ao leitor apenas aceitar as palavras de “Jesus” pregada pelo pastor R. R. Soares. O próprio texto já aproxima o leitor do discurso da “Teologia da Prosperidade”.

No primeiro parágrafo temos um movimento de coesão referencial anafórico “Senhor”, “... Ele sabe exatamente”, “...O Salvador ensinou”, “...sucesso que Ele teve”, “...o Mestre faria”. Esse movimento anafórico legitima o poder das palavras de Jesus pregadas pelo Pastor.

Na quinta linha do primeiro parágrafo há uma injunção velada “Examine comigo” que tem como objetivo falar diretamente ao leitor com a intenção de convencê-lo quanto à importância do que o “Senhor” diz.

No segundo parágrafo temos uma catáfora “Nos primeiros versículos do capitulo 9 do Evangelho de João, temos uma importante revelação”, Esse movimento tem a intenção de criar a expectativa quanto ao que será dito. Em seguida temos um discurso direto cuja fonte é a Bíblia “E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença. E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus respondeu: nem ele pecou, nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem neles as obras de Deus. Convém que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo. Tendo dito isso, cuspiu na terra, e, com a saliva, fez lodo, e untou com o lodo os olhos cegos. E disse-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé (que significa o enviado). Foi, pois, e lavou-se e voltou vendo (João 9.1-7).

A citação de uma passagem da Bíblia dá veracidade ao discurso do Pastor que ao usar um discurso aceito socialmente como válido, se afasta do que diz, porque quem diz não é o Pastor, mas o Senhor Jesus cuja autoria é “inquestionável”.
No terceiro parágrafo o Pastor inicia uma seqüência narrativa contando sobre uma história da Bíblia para em cima dela, argumentar seu ponto de vista com a intenção dar ênfase ao discurso direto supracitado.

Esse ponto de vista do Pastor fica claro no quarto parágrafo, quando ele se posiciona a respeito do pensamento dos discípulos da época de Jesus. O pastor questiona quanto à veracidade das dúvidas daquela época “pessoas que acreditavam no fato de que as doenças nos ocorrem por causa de pecados cometidos”. Segundo o Pastor “a verdade é que ninguém reencarnou”, e confirma seu posicionamento de sujeito autor ao citar uma passagem da Bíblia para dar veracidade ao seu ponto de vista “A Bíblia é clara: Tal como a nuvem se desfaz e passa, aquele que desce à sepultura nunca tornará a subir (Jô 7.9). A palavra também afirma: E, como os homens está ordenado morrerem uma vez, vindo, depois disso, o juízo (Hebreus 9.27).

No quinto parágrafo temo uma seqüência narrativa, onde há a retomada do referente “Jesus”, “Mestre”, “Senhor”, que segundo Koch (2005) “efetuam a “ativação parcial” de propriedades ou características do elemento de referência que as precede no texto”. Em seguida o pastor utiliza novamente o discurso direto veiculado pela “Versão da Revista e corrigida da Bíblia”.

O sexto parágrafo começa com uma injunção “Na verdade”, índice de avaliação quanto ao fato seguinte. Na continuação o Pastor inicia uma seqüência argumentativa a respeito do exemplo utilizado na citação direta do segundo parágrafo. Esse exemplo fundamenta o seu discurso.

Em seguida o pastor inicia uma seqüência narrativa usando o discurso direto e apoiando seu discurso ao discurso de “Monges beneditinos de Maradesus, Bélgica os quais publicaram uma edição da Bíblia, no final do século 19, com um texto semelhante ao que citei”. Relacionar o discurso a outro discurso cria uma corrente discursiva.

A respeito desse apoio discursivo, concordamos com a Brandão (2002, p.49) quando menciona que:

“O sujeito é essencialmente histórico, ideológico. Sua fala é um recorte das representações de um tempo histórico e de um espaço social, orientado socialmente e que ajusta a sua fala (nível intradiscursivo) envolvendo outros discursos historicamente já constituídos”.

O Pastor apóia sua filosofia em um outro discurso, criando assim uma interdiscursividade textual, validando também outros discursos. Em seguida, oitavo parágrafo, o Pastor confirma a defesa da sua argumentação “Para mim esse é o real significado das palavras do Senhor”, para em seguida validar o discurso da Teoria da Prosperidade: “È preciso que cada cristão descubra seus direitos na Palavra de Deus e exija-os... Jesus disse que o que pedíssemos (determinássemos) ao Pai, em Seu Nome, Ele mesmo faria, por que não determinar?”.

O Pastor segue no parágrafo seguinte, argumentando a favor da Teoria da Prosperidade “Quem aprende que pedir significa tomar posse da benção”, o Pastor chama a atenção para a face negativa do leitor que ainda não aprendeu a tomar posse do que é seu. E que “na verdade”, injunção para persuadir o leitor, “O certo é assumir seu lugar em Cristo”, ou seja, para alcançar o pouco e viver vitoriosamente é necessário aceitar a Jesus e conseqüentemente a “Igreja Internacional da Graça de Deus” e sua Teoria da Prosperidade.

O Pastor chama a atenção do leitor com a injunção “Se o que lhe ensinaram não é o que a Escritura fala, desconsidere... Seja valente ouse agir... Quem faz a obra vive vitoriosamente”. O Pastor finaliza seu discurso chamando a atenção para a face negativa do leitor que não é valente e nem ousa agir, para que esse mude sua atitude a fim de se tornar vitorioso em sua Igreja.

Em termos de coerência o texto está inserido em um contexto regido pela globalização e suas ideologias. A Igreja necessita competir dentro desse contexto, ou seja, manter o seu espaço quanto entidade. Os fatores de contextualização (coerência) são aqueles que ancoram o texto em uma situação comunicativa determinada. Fatos do mundo extra que situam o discurso como coerente para a situação social.

3. Considerações finais

O discurso religioso nos permitiu trabalhar com as teorias lingüísticas supracitadas, o que de fato deu relevância a análise proposta. O Sermão do Pastor R. R. Soares é um discurso cuja principal estratégia é persuadir o leitor da necessidade de aceitar Jesus e conseqüentemente a Igreja Internacional da Graça de Deus, cujo discurso é fundamentado na Teoria da Prosperidade.

Durante o movimento de análise podemos perceber a construção textual necessária para a persuasão. O movimento de coesão constrói um texto sem muita expectativa, previsível se compararmos com outros textos da mesma instituição. O Pastor utiliza várias introduções com injunção com a intenção de aproximar seu discurso do leitor e persuadi-lo para então se utilizar às citações Bíblica para preservar a sua face e construir uma argumentação fundamentada nos exemplos da Bíblia.

Essa movimentação de introduzir o discurso direto é freqüente no discurso religioso, pois seu uso da veracidade as palavras do Pastor, porque não é ele quem está falando, mas “Deus” cabendo ao leitor aceitar, já que o discurso da Bíblia faz parte do discurso de uma instituição já aceita e tradicional como a Igreja. O discurso direto é articulado como uma seqüência narrativa já que as passagens da Bíblia são histórias antigas cujo exemplo é bem explorado.

O texto não poderia deixar de ser dialógico uma vez que responde a outros textos como, por exemplo, o texto dos Monges beneditinos de Maradesus, Bélgica que no século 19 interpretaram a Bíblia como Pastor interpretou. Brandão em seu livro “Introdução a Análise do Discurso” chama a atenção para Bakhtin que assim defini o dialogismo textual:

“Um enunciado vivo, significativamente surgido em um momento histórico e em um meio social determinado, não pode deixar de tocar em milhares de fios dialógicos vivos, tecidos pela consciência sócioideologica em torno do objeto de tal enunciado e de participar ativamente do diálogo social. De resto, é dele que o enunciado saiu: ele é como sua continuação, sua réplica...” Bakhtin, (1975:100) apud Brandão (2002 p.53).

O discurso se constitui na esfera do “já dito”, assim o Pastor consegue construir seu discurso apoiando-se em um discurso socialmente histórico.

Tudo isso se engloba dentro de um texto cuja coerência se constrói por se tratar de um texto que está inserido em uma época em que os Movimentos Evangélicos tem se destacado pelo aumento constante de fiéis que buscam sucesso financeiro e material. E está inserido dentro da ideologia capitalista. O discurso tem de a responder a esse contexto tornando o texto coerente com sua época.

BIBLIOGRAFIA

Brandão, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 8° edição – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2002.

Koch, Ingedore Grunfeld Villaça. A Coesão Textual. 20° Ed – São Paulo: Contexto, 2005.

Koch, Ingedore Grunfeld Villaça, Luiz Carlos Travaglia. A Coerência Textual. 16. ed. –São Paulo : Contexto, 2004.

Maingueneau, Dominique. Análise de textos de comunicação. Tradução de Cecília P. Souza e Silva, Décio Rocha. – 3. ed. – São Paulo: Cortez: 2004.

A influência do contexto no discurso

O livro “O pequeno Nicolau”, faz parte de uma série francesa de livros infantis, com tom humorístico, escrito pelo autor René Goscinny e ilustrada por Jean Jacques Sempé [1]. A obra foi publicada entre 1956 e 1964. Nesse contexto a França vinha de um fim de 2° Guerra Mundial, cuja guerra contra Alemanha deixou resquícios de uma Europa destruída.

Nessa ocasião tomou destaque o general Charles de Gaulle, que se se instalou, num governo provisório, dentro de uma série conflitos e negociações com as colônias. O general pediu afastamento em janeiro de 1946.

O quadro do país na década de 50 foi de um rápido desenvolvimento econômico, semelhante ao da Alemanha sua concorrente direta. Vários movimentos independentistas aconteciam na época, conduzindo a França a lutar contra. A revolução contra os Argelinos, Indochineses, Tunísia e Marrocos, deixaram uma crise grave.

Em conseqüência veio a Quinta Republica e com ela o reaparecimento de Charles de Gaulle sob a aureola de grande herói da Segunda Guerra Mundial e foi considero como o único a ter condições de por fim aos conflitos direcionado os rumos do país. Elegeu-se sob o estabelecimento do regime semi-presidencial que concedia ao presidente amplos poderes executivos.

Esse contexto de reconstrução da França em meio ao governo de um general o país adota uma concepção conservadora em relação à educação. Segundo Durkheim apud Maria Drosila Vasconcellos, o "fato social", definição central em sua teoria, deve muito às características da coerção social das instituições (religião, moral, linguagem, dinheiro…) entre as quais a educação constitui um "operador privilegiado". Por meio da educação, a transmissão dos valores, padrões e hábitos mentais de uma geração à outra está garantida de modo metódico.

A transmissão de valores ideológicos pós-guerra e, uma educação homogênea, perfaz o ensino da época, cuja característica destaca Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron. Eles consideram o sistema de ensino como um importante sistema de auto-reprodução e de reprodução sociocultural, que elucidava as funções sociais da escola e da cultura, assim como as relações que existem entre a seleção escolar e a estrutura de classes da sociedade francesa.

Dentro desse contexto e dessa perspectiva é que René Goscinny e Jean Jacques Sempé escreveram a obra infantil. O que interessa para a Análise do Discurso Francesa é como esse contexto influi na obra. O período é de uma ditadura velada, cujo ensino refletia o modo homogêneo semelhante à de um exercito onde o individualismo humano junto com suas características dá lugar ao comportamento de massa, controlado e bem definido pelas relações sociais.

O personagem Nicolau é um garoto de seis anos, muito aprontador. Suas histórias são muito engraçadas: acontecem na escola, com seus colegas. Cada colega tem seu estilo, suas manias e seus choros. Tem brigas diariamente e Nicolau acha todas muito divertidas. Ele não gosta de meninas: ele as acha muito chatas, choronas, e que só causam problemas.

Seus amigos são: Agnaldo (que é o queridinho da professora e usa óculos; então, não podem bater nele), Alceu (que come sem parar), Rufino (que tem um pai policial e fica apitando o tempo todo na sala), Eudes (um garoto muito forte, que adora dar socos nos narizes dos colegas), Clotário (o último da classe), Godofredo (cujo pai é milionário e compra tudo que ele quer), Maximiliano (que corre depressa porque tem pernas muito finas e longas, joelhos gordos e sujos), o Joaquim e o Cirilo.


ANÁLISE DE DISCURSO FRANCESA

Neste trabalho analisaremos apenas o capítulo (A visita do inspetor). O que nos interessa é detectar vestígios de ditadura da época presente na obra e destacarmos como se dá a relação professor, alunos e autoridades representantes da educação da época.

Começaremos pelo título “A visita do diretor”, que na época representava o controle do sistema educativo sobre a educação e as escolas. Esse diretor serve para garantir que o padrão estabelecido pelo regime da época se concretize dentro da escola, contribuindo assim, para a dominação do estado sobre suas instituições.

A professora, que é vítima do sistema, tem a apresentar um comportamento esperado ou exigido pelas autoridades educacionais. Juntamente com seus alunos que são comandados por ela materializam esse comportamento em suas falas “O inspetor está na escola, ela disse, tenho certeza de que vocês vão se comportar e dar uma boa impressão”.

Nesse discurso fica claro que a reprodução de um comportamento esperado que é entendido pela turma como sendo necessário. Apesar do comportamento padrão exigido pela professora que é fruto do pensamento da escola que, por sua vez, é fruto do pensamento da sociedade governada por uma concepção de educação, as crianças já adestradas sabem muito bem o que é esperado delas “... a professora não devia se preocupar, a gente quase sempre se comporta”.

A professora igualmente a um general do exército cobra seus alunos para que se comportem de acordo com o convencionado “... a professora proibiu a gente de falar sem ser interrogado, de rir sem a permissão dela, pediu pra ninguém deixar cair às bolinhas de gude”. Num contexto de pós-Segunda Guerra Mundial e estabelecimento de governos ditatoriais, revela uma reprodução dessa ditadura por parte da professora. A censura imposta pelo regime acaba podando ações isoladas, Nicolau em sua narração comenta que “Às vezes eu fico pensando que a professora pensa que a gente é bobo”, tamanha era a rédia imposta pelo sistema educacional cuja professora como destacamos é fruto de reprodução dessa ideologia.

Na página trinta e seis do livro, ao analisarmos o desenho de Sempé, o primeiro aspecto é o enfileiramento das carteiras. Esse tipo de organização é típico da concepção de homogeneização da sociedade, imposta pelo regime de Charles de Gaulle, não só dele, mas tipicamente de regimes ditatoriais.

No centro da sala a professora e o inspetor, figuras representativas do estado que impõem a ideologia necessária para a dominação. Essa dominação é garantida pela repressão necessária a manutenção do poder “... e a professora ficou brava. Eu vi você Clotário, ela disse. Foi você o autor dessa brincadeira estúpida. De castigo no canto!”. O castigo tinha a intenção de impor a autoridade ao aluno. Lembrando que a ausência efetiva de direitos humanos corroborava para a agressão. Isso é resquício de que a sociedade francesa vivia o autoritarismo e a repressão.

Tamanho era a regime educacional que até para se mover ou fazer algum barulho deveria ser medido “estes são os pequenos, eles... eles são um pouco turbulentos”. O enfileiramento determinava a educação bancária que tanto nos diz Paulo Freire[2] “... eles se sentaram de costas para o quadro-negro. O inspetor olhou para a professora e perguntou se aqueles dois meninos ficavam sempre sentados daquele jeito”. O controle coercivo e ditatorial era tão intenso que se alguma coisa estivesse fora do esperado já seria motivo para repressão. Esse comportamento do inspetor retrata como se dava às relações sociais da época.

Outro fato era que a professora também tinha medo do inspetor, ela própria era vitima da repressão. Entendemos como repressão o fato de que o inspetor é interpelado pela ideologia vigente adota pelo governo. Ele deve cumprir sua função para que tudo seja conforme a concepção de educação reprodutora e bancária presente nesse período. Esse registro é importante para entendermos o contexto da França nessa época.

Na pagina trinta e oito temos há outro desenho, onde os alunos estão sentados nas fileiras de carteiras, o inspetor em pé de frente para os alunos, olhando-os, isso nos remete a uma cena onde o superior olha para os inferiores. Todos estão apreensivos, aflitos com medo “O inspetor não parecia muito contente, ele estava com as grandes sobrancelhas bem perto dos olhos. “É preciso ter um pouco de autoridade, ele disse”. O autoritarismo está claro nas relações educacionais, o aluno obedece quem manda.

O inspetor questiona a professora “Estou vendo que a senhora tem problemas com a disciplina (...) é preciso usar um pouco de psicologia elementar”. A professora é cobrada pelo inspetor para ser mais rígida, é necessário representar o autoritarismo para que se imprima a educação necessária para manter o regime imposto. Como ressaltamos acima, a professora é “vítima” desse sistema, tendo que reproduzi-lo, acontece que ela própria não se dá conta disso. Ou seja, ela não fala, ela é falada.

O lado humorístico do narrador Nicolau é que ele insere comentários pertinentes que nos faz rir de situações cômicas, onde ele nos coloca de forma delicada no pensamento de uma criança como eles “Foi uma pena a professora ter proibido a gente de rir sem a permissão dela, porque foi superdificil segurar o riso”. Esse comentário nos coloca a perspectiva de que apesar de haver uma ditadura comportamental, as crianças conseguiam desenvolver por si suas próprias críticas.

Todo regime ditatorial, e não só os regimes ditatoriais, mas as concepções de educação fruto de ditaduras assegurado pelas nações pós-Segunda Guerra trouxeram consigo o legado da educação bancária, reprodutora, sem criticidade alguma. Esse tipo de concepção esta presente nesse contexto “A professora fez de conta que estava procurando alguém ao acaso e depois apontou para o Agnaldo: “Você, Agnaldo, recite a fábula para nós, mas o inspetor levantou a mão “A senhora permite”.

Nesse contexto social de repressão e ideologia, para o aluno só restava digerir o que era ensinado sem expor sua crítica ou entender o porque de aprender aquilo. Os alunos viviam uma crise, uma espécie de depressão ou sentimento de medo em relação ao que aprendiam e em relação à escola e sua autoridade isso fica evidente quando o Nicolau assim coloca quando o inspetor chama um aluno para recitar a fábula “Você aí no fundo, recite-me essa fábula. “Mas o que é que ele tem?”, perguntou o inspetor”.

A repressão era tanta que os alunos sofriam de pânico; reflexo de uma sociedade pós-guerra vivendo em um novo regime de repressão aos direitos de qualquer manifestação sem repressão. Diante de tudo isso o inspetor reproduz um discurso ideológico que já se perpetua à séculos “O inspetor chegou perto da professora e apertou a mão dela. “A senhora tem toda a minha simpatia, professora. Nunca percebi tão bem como hoje o quanto nossa profissão é um sacerdócio”. Podemos relacionar esse discurso com o discurso dos jesuítas cuja finalidade era o sacerdócio de catequizar os colonizados.

Em nossa análise demos ênfase à questão da repressão vivida pela sociedade francesa, principalmente na parte da educação, onde há a reprodução de valores impostos pelo estado. Outras análises poderiam ser abordadas com enfoque teórico especifico como a questão da heterogeneidade presente no discurso dos protagonistas, a questão do sujeito-autor. Nossa intenção foi apenas analisar as marcas de contexto na voz de um narrador criança.


BIBLIOGRAFIA

Brandão, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 8° edição – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2002.

Maingueneau, Dominique. Análise de textos de comunicação. Tradução de Cecília P. Souza e Silva, Décio Rocha. – 3. ed. – São Paulo: Cortez: 2004.

SEMPÉ, Jean Jacques, Goscinny, René. O pequeno Nicolau. Martins Fontes, São Paulo, 2000.

Vasconcellos, Maria Drosila. A sociologia da educação na França: um percurso produtivo. Educ. Soc. vol.24 no.83 Campinas Aug. 2003.


[1] Sempé e Goscinny (Martins Fontes, 2000).
[2] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Editora: Paz e Terra, 1ª Edição, 1997.