quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Artigo sobre possíveis leituras nas escolas

Concepções de gramática

Este artigo foi um dos primeiro que escrevi no meu curso de graduação e espero que desperte a reflexão do ensino da Língua portuguesa.

Para muitas pessoas das mais variadas extrações intelectuais e sociais, ensinar língua é a mesma coisa que ensinar gramática. Por ensino de gramática entende-se, freqüentemente – conjunto de regras que devem ser seguidas – é a mais conhecida do professor de primeiro e segundo graus, porque é em geral a definição que se adota nas gramáticas pedagógicas e nos livros didáticos. Por ensino de gramática entende-se, estudo de regras ortográficas, regras de concordância e de regência, colocação e critérios de descobertas das partes da palavra (radical, tema, afixos), análise sintática da oração e do período.

A gramática normativa intitulada e produzida por pessoas “cultas” de “prestígio”, que acaba por ser representada como a própria língua, a expressão escrita elaborada literalmente, exclui de sua consideração os fatos que divergem da variante padrão, considerando-os “erros”, “vícios de linguagem” ou “vulgarismos”. Mistificando que só existe um modelo certo de fala e língua. É importante que fique claro que existem várias concepções de língua que revelam diferentes orientações didáticas (ensinar a partir do uso observado ou ensinar a partir de regras).

Há um equivoco quando se relaciona língua com gramática, porque a dois sentidos em que se pode falar em regras: um deles traz consigo a idéia de obrigação, aproximando-se da noção de lei em sentido jurídico sob pena de alguma sansão, outro traz a idéia de regularidade e constância leis da natureza, no caso da gramática descritiva.

Sabe-se que a questão do ensino da gramática na escola tem sido amplamente discutida, e continua atual, seja por que o professor precisa decidir, caso haja ensino de gramática na escola, e quais orientações didáticas adotarem, já que o ensino da gramática mantêm-se fiel a tradição, excluindo outras variedades da língua, e reforçando a ideologia de padrão e modelo a ser seguido. Diferentes concepções do papel da língua numa sociedade como a nossa, serve para a comunicação ou abre acesso a oportunidades de emprego.

Preparar para a vida ou preparar para o vestibular, dois objetivos que só é possível para um número limitado de alunos. Algumas dessas concepções estão em livros didáticos na aula de português, em planos de aula, que é o caso da gramática descritiva que trabalha com outra concepção de língua no sentido de “leis da natureza”, regras que são seguidas são as que orientam o trabalho dos lingüistas, cuja preocupação é descrever e/ou explicarem as línguas tais como elas são faladas, a partir do uso concreto da língua, conjunto de variedades não só de prestígio como as estigmatizadas também.

Levando em consideração de que o objetivo prioritário da escola é permitir a aquisição da gramática internalizada, compromete a escola com uma metodologia que passa pela exposição constante do aluno ao maior número possível de experiências lingüísticas na variedade padrão, ou seja, prioridade absoluta para a leitura, para a escrita, a narrativa oral, e outros gêneros textuais. Entende-se por gramática internalizada a hipótese sobre os conhecimentos que habilitam o falante a produzir frases ou seqüências de palavras de maneira tal que essas frases e seqüências são compreensíveis e reconhecidas como pertencendo a uma língua, ex: “Os meninos apanham as goiabas” ou “os menino (a)panha as goiabas”.

Como fazer com que o ensino da gramática seja significativo e leve ao domínio e uso social da língua?

A gramática descritiva (conjunto de regras que são seguidas) revela-se mais próxima da realidade lingüística dos alunos descrevendo o uso da língua sem descriminar erros. A proposta de trabalhar nas escolas com essas três concepções de gramática, em ordem de prioridade inversa, privilegiando a gramática internalizada, em seguida a descritiva e, por último a normativa. Aumenta os recursos lingüísticos por parte do aluno. Isso se faz expondo o aluno consistentemente a formas lingüísticas que ele não conhece, mas deve conhecer para ser um usuário competente da língua escrita. Só um bom programa de leitura pode produzi a exposição necessária no aprendizado ativo.

Seria incoerente concordar com forma de ensino que reduzem a língua a uma única variedade, mesmo a socialmente prestigiada, o ensino deve priorizar a língua como conhecimento interiorizado. É necessário viver a variedade que se quer que o aluno aprenda, antes de escrever a sintaxe e a morfologia das expressões, o professor deve certificar-se de que o aluno sabe usá-las, é no momento em que o aluno começa a reconhecer sua variedade lingüística como uma variedade entre outras que ele ganha consciência de sua identidade lingüística e se dispõe á observação das variantes que não domina.

Existe a percepção que para a lingüística vale tudo, não é verdade esse julgamento vem de pessoas que não concorda com que a lingüística descobriu, ainda é de praxe que se conceba língua como gramática “manutenção de uma norma imutável, por que não poderia a escola acompanhar mais de perto a norma culta real, tal como ela é utilizada, por exemplo, nos jornais, que, para ficar num exemplo já abandonaram alguns termos como a regência indireta de “assistir”, futuros sintéticos ex: “vou sair” no lugar de “sairei”, “fora”, no lugar de “tinha ido”, a gramática normativa considera esses usos como um problema.

Para a gramática descritiva, nenhum dado é desqualificado como não pertencendo à língua, ao contrário, considera um fato a ser descrito e explicado – a língua falada ou escrita como sendo um dado variável. Tratar esses usos inadequados como marcas de incompetência ou “burrice” produz resistência do aluno, que tenderá a achar-se “fraco” ou “sem capacidade” papel que lhe é atribuído por preconceito.

Procurei orientar lingüisticamente a questão do ensino da língua portuguesa e três concepções de língua possíveis na prática de ensino. È importante definir qual concepção de gramática a adotar já que trabalhar leitura implica no estudo da linguagem presente no texto.

Como podemos ver o engajamento político do professor se faz até mesmo na escolha de qual concepção de gramática trabalhar já que sabemos do valor atribuído à normal padrão e seu poder discriminatório, quando há atuação política do professor tem a ver com o para que ensinamos e a tarefa docente me parece ser a propulsora dessa desmistificação.
No decorrer desse texto procuro discutir uma possível prática de leitura longe de supor como única, mas apenas uma possibilidade.

Toda metodologia de ensino articula uma opção política – que envolve uma teoria de compreensão e interpretação da realidade – com os mecanismos utilizados na sala de aula (conforme Fischer, 1976).

Antes de qualquer sugestão metodológica, é preciso que fique claro que o que se defende e se discuti é que os conceitos Freireanos de educação-política quanto ensino não pode estar separados da prática na sala de aula, principalmente em se tratando de leitura e trabalhos de leitura que se desenvolvem em sala de aula. Paulo Freire é muito claro em seu conceito de ensino, que tem como finalidade política de “intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento” (P. Freire, 1996 p. 98).

Diante, do que foi dito e de varias discussões sobre o ensino de leitura e o que ensinar, uma pergunta parece-me ficar em evidência o “para que” ler um texto ou um livro. Longe de qualquer afirmação incontestável, “os alunos aprendem para que? Envolve uma perspectiva política, do professor e do aluno, mas, muito mais do professor, como salienta Paulo Freire: Se ensino, faço-o para que?. Diante da realidade que permeia nossas relações enquanto seres humanos - mundo - seres humanos, não pode ficar de fora o contexto sinuante ai fora, situação muito bem definida e estruturada que envolve relações de desigualdades, condições e possibilidades.

A partir dessas situações e outras vigentes na sociedade é que o professor deve foca sua ação de ensino que é sua superação. A educação por ser política deve ter como finalidade o aprendizado, mas esse deve ter a função de permitir que o aluno mantenha a devida relação necessária para estabelecer um diálogo ou uma função em determinado momento. Quando volto a questão do “para que” ensinar? a atuação docente, quanto mediador desse aluno deve ser a mais intencional possível fundada no objetivo epistemológico do objeto, mas também enfático sobre a realidade que permeia as relações.

Dentro dessa perspectiva política de ensino resgato as possíveis posturas ante um texto apresentadas por (Geraldi, J. W. 1995 p. 92):

A leitura - busca de informações;
A leitura - estudo do texto;
A leitura do texto – pretexto;
A leitura - fruição do texto.

Diante de qualquer texto, qualquer uma dessas relações de interlocução com o - texto / autor é possível. E discuto uma dessas possibilidades para comprovar o que foi dito.

A leitura como desvendamento e informação

“Muito de nossa insistência, enquanto professoras e professores, em que os estudantes “leiam”, num semestre, um sem-número de capítulos de livros, reside na compreensão errônea que ás vezes temos do ato de ler” (P. Freire, 1992 p. 17).

A característica básica de postura ante um texto é extrair desse uma informação. Isso implica uma postura diante do que trabalhar, qual informação trabalhar?

Partindo do principio que educação e política andam de mãos dadas e que uma pressupõe a outra é sugestível que nas aulas de leitura a realidade tal como impõem o capitalismo seja aos poucos desmistificada isso não implica deixar de trabalhar os clássicos já que seria uma compreensão errônea não adotá-los, porém o que se faz necessário é que a compreensão da realidade em que se encontram os alunos, suas famílias e comunidades sejam desmascaradas “é o que diz respeito á força, ás vezes maior do que pensamos da ideologia é que está tem que ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna “míopes” (P. Freire, 1995 p. 125).

Dentro dessa perspectiva podemos incluir também o ensino da gramática adotando uma postura descritiva da língua. Sabemos que a língua revela-se como um arame farpado nas relações sócias, dominá-la é de extrema importância para erradicar as diferenças sócias, nessa mesma proposta podemos trabalhar a leitura como meio de quebrar os laços sociais que desprestigiam os menos favorecidos. Com isso, afirmar-se o compromisso político que é ensinar e nada mais propicio de desmistificar a realidade através da leitura incluindo a leitura de mundo do aluno.
Exemplo disso é como missão ao professor a tarefa de colocar o “para que” ensinamos como uma questão que cada dia permeie sua tarefa docente.

“Uma “leitura – busca de informações” não precisa ser necessariamente aquela que se faz com textos de jornais, livros científicos, etc. Também com o chamado texto literário essa forma de interlocução é possível. Pense-se, por exemplo, na leitura de romances para extrair deles informação a propósito do ambiente da época, da forma como as pessoas por intermédio dos personagens encaravam a vida, etc” (Geraldi, J. W. 1995 p. 92). E com isso não só podemos trabalhar diversos gêneros textuais, mas incluir a realidade a ser motivo de reflexão, discussão, e projeção de mudança.

Podemos entender que de fato a ação político-pedagógica é uma possibilidade de mudança social, engajamento político docente e aprendizado. Permitir a educação com esses pressupostos cabe agir de acordo com a ética Freireana, “Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não ser neutra, minha prática exige de mim uma definição” (P. Freire, 1995 p. 102).

Contribuições da pragmática nos novos tempos

Uma contribuição muito importante para essas concepções é a pragmática em especial o filosofo da linguagem John Austin, que com suas teorias nos ajuda a trabalhar a linguagem e sua comunicação, que vai além do enunciado.

Alguns exemplos claro dessa contribuição, são as descrições que Austin vai chamar de constativas e performativas. Quando trabalhamos com textos, principalmente textos que informam sobre fatos atuais como noticias em jornais e revista, televisão e meios de comunicação, são importante que se verifique o que é enunciado e o que contém por trás desses enunciados, essa contribuição pragmática da lingüística, trás novas possibilidades de interpretação do que se fala e seus explícitos e implícitos.

Com isso, pressupomos que cabe ao professor trabalhar e utilizar-se dessas concepções em seu trabalho em sala de aula, como discutimos anteriormente existe toda uma realidade nos fatos sociais e desvendá-los parece-me tarefa política do professor. Mas voltamos aos trabalhos de leitura em sala de aula, que também podem ser trabalhados dentro da pragmática.

John Searle um dos sucessores de Austin, que retoma seu programa e vai desenvolver uma série de aspectos de sua teoria diz que ao comunicar uma frase, realiza-se um ato proposicional e um ato ilocucional. Essa contribuição é muito importante para o desenvolvimento da leitura em sala de aula, pois, bem trabalhado essas concepções ajudam os alunos a identificar o que o autor quer dizer ou dialogar, aumentando assim o poder de interpretação dos alunos, que dialogando em maior profundidade com o texto e seus atos ilucionais e perlocucionais reage em busca do sentido e compreensão do que lê.

Reafirmando a contribuição da pragmática para as aulas de leitura e suas compreensões, nos apoiamos na teoria de Grice discípulo de Austin que trás a noção de implicatura. Para tanto nos interessa a noção de implicatura e suas máximas: quantidade, qualidade, relação e maneira, pois, essas máximas reforçam a importância da relação professor – aluno, que devem ser baseadas ou inspiradas nessas máximas. O ensino deve caminhar pela ética e cooperação tendo como base à linguagem e suas possibilidades, contudo, entendemos educação como objetivos políticos que trabalham em cima da realidade e sobre a realidade, colocando o aluno (no caso específico) como centro dessa realidade, mostrando as possíveis interpretações que dele florescem e que influenciam nossas vidas.

Ante a finalizar o texto é preciso saber que essas reflexões se fazem presente no âmbito acadêmico e discutí-las parece-me importante.


BIBLIOGRAFIA


FIORIN, José Luiz. Introdução à lingüística / José Luiz Fiorin (org). 4ª ed. – São Paulo: Contexto, 2005.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam / Paulo Freire. – 46ª ed. - São Paulo, Cortez, 2005.
------------. Pedagogia da Autonomia (Saberes necessários à prática educativa) / Paulo Freire. – 31ª ed. - São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura).
GERALDI, J.W. (organizador) O texto na sala de aula – São Paulo Ed. Ática 3ª edição 9ª impressão, 2004.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola / Sírio Possenti – Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1996.

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