quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Linguagem, Política e Formação do Professor

Titulo: LINGUAGEM, POLÍTICA E FORMAÇÃO DO PROFESSOR


Resumo: este trabalho discute o ensino de gêneros textuais sob a ótica da Lingüística Textual e sua importância na formação do aluno e conseqüente na formação de professores. Para a consecução desse objetivo, propomos o trabalho com gêneros textuais que circulam em nossa sociedade e que muitas vezes só circulam em determinados meios, sua leitura e ensino e relevante tanto para o Ensino Fundamental e Médio, como para os estudantes Letras e estudiosos da área. E encerra-se com uma proposta de trabalho com o gênero político e análise os pressupostos e implícitos no discurso político.



Palavras – chave: formação do aluno – professor, análise lingüística, pressuposto e implícito, discurso político.


Os trabalhos de análise gramaticais em gêneros textuais constituem um dos mais fortes pilares das aulas de português e chega a ser, em alguns casos, preocupação exclusiva das aulas. Nesse contexto o texto é muitas vezes usado apenas para análise gramatical, simples leitura e interpretação, limitando assim os vários sentidos do texto. O que faz emergir a proposta de prática de análise lingüística textual em vez das aulas de gramática.

E dentro desta problemática esta a formação do professor de Língua Portuguesa, cuja tarefa, hoje, se destina, ou deveria se destinar a trabalhar com a realidade do aluno. Esta realidade complexa exige cada vez mais que dominamos os diversos gêneros textuais que representam os mais diversos seguimentos da sociedade, realidade esta a qual está inserido o aluno e professor, e configura ponto de partida para ação do professor.

A intervenção do professor se faz necessária, uma vez que, é o mediador do ensino e do trabalho com os textos. O trabalho com diversos gêneros textuais requer do professor o domínio da sua estrutura, linguagem, contextualidade. Requer um posicionamento ideológico, interventivo, em sociedade com a escola, professores, coordenadores e comunidade.

Para alcançar este objetivo o professor, deve estar familiarizado com diversos gêneros textuais, seu funcionamento no contexto apropriado, deve saber situá-los dentro da realidade do aluno. Acreditamos que para o docente vir a ter o domínio desses gêneros, é necessário que o contato com estes se de ainda em sua formação Fundamental e Média. Isto implica o trabalho com os gêneros, alguns dos quais circulam em nossa sociedade.

Essa discussão tem ampliado o foco de interesse por gêneros textuais, objeto de leitura no espaço escolar que, de restritos aos textos literários, passaram a gêneros de uso social, devendo por essa razão a questão da diversidade textual na sala de aula ocupar lugar de destaque na formação do aluno e conseqüentemente professor de língua, uma vez que este objeto de aprendizagem – o texto – não é único, indiferenciado, mas envolve uma pluralidade de gêneros que apresentam mecanismos de textualização específicos. Com efeito, trabalhar com a diversidade textual significa muito mais que introduzir diversos gêneros de texto na sala de aula.

Três dificuldades podem surgir em relação a essa prática: a falta de conhecimento adequado por parte do(a) professor(a) das características específicas dos diferentes gêneros de texto, ou a adoção da progressão linear dos conteúdos como critério para a seleção dos textos a serem objeto de estudo em cada série. Nessa forma de pensar o ensino da leitura não há possibilidade de pensar a progressão linear, pois é a necessidade de dominar situações comunicativas dadas que está no centro da concepção. A terceira dificuldade está relacionada com a concepção de leitura do(a) professor(a) que orienta a sua prática de ensino da leitura.

Primeiro é necessário dentro desse contexto que se adote uma concepção do que é um texto, nos apoiaremos em uma concepção que acreditamos ser a mais adequada:

Segundo Koch (2003), a maior mudança foi que se passou a tomar o texto como objeto central do ensino, isto é, a priorizar, nas aulas de língua portuguesa, as atividades de leitura e produção de textos, levando o aluno a refletir sobre o funcionamento da língua nas diversas situações de interação verbal, sobre o uso dos recursos que a língua lhes oferece para a concretização de suas propostas de sentido, bem como sobre a adequação dos textos a cada situação.

Quanto ao que ainda pode mudar, acreditamos que, em primeiro lugar, tal metodologia teria de ser estendida a todas as escolas, públicas e privadas, o que, evidentemente, ainda está longe de ser uma realidade. Para tanto, todos os professores teriam de estar preparados para utilizar em aula os conceitos e as estratégias utilizadas pela Lingüística Textual e aplicá-las no ensino da produção textual, quer em termos de escrita, quer de leitura, já que esta orientação conforma-se ao que postulam os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa.

Sabe-se que os PCN’s tratam a lingua por meio da concepção lingüística sociointeracionalista e que constitui um dos três eixos básicos do ensino de lingua materna, ao lado da leitura e produção de textos. A proposta da AL teria como objetivo central refletir sobre elementos e fenômenos lingüísticos e sobre estratégias discursivas, com o foco no uso da linguagem.
No ensino superior, principalmente, a lingüística e seus diversos campos têm contribuído para a formação do professor. Essa contribuição traz uma nova perspectiva de análise para o fenômeno linguagem, que se início com Seassure entendia a lingua como código, sistema, hoje se situa na análise da produção de sentido no/pelo texto.

É sabido que a formação do professor não se acaba em uma fase, mas é um continuum de aprendizado e formação, entendendo o ensino como uma formação que se perfaz durante a vida, principalmente docente. Nosso objetivo é situar o docente estudante nas práticas de Análise Lingüística e seu uso no texto.

Para atingir a finalidade, usaremos o discurso político, que se caracteriza na nossa sociedade como algo dispensável a consciência coletiva. O tema política na sociedade brasileira revela certa euforia somente em tempos de eleições. Segundo a Psicanalista Maria Rita Kehl:

O brasileiro vira um apaixonado pela política. Mas a paixão só dura até o final da apuração. É como se fosse mais paixão pelo jogo do que pela política. Paixão pela disputa entre personagens fictícios, candidatos transformados em "marca de fantasia” pela propaganda eleitoral, dirigida, sobretudo para a televisão. Aflitos, emocionais, cheios de fantasias, os brasileiros que não gostam de política acompanham a disputa eleitoral como se fosse telenovela, torcendo para que o ator decida o final feliz.

Sendo este o senso comum de muitos estudantes, propomos, sob a ótica da análise da Lingüística textual, o exercício a seguir, com o objetivo de analisar mais de perto o gênero político e observar suas características lingüísticas e discursivas uma vez que o texto ingênuo e puro não existe. Especificamente o que se pretende é mostrar o que há de implícito no discurso político em tempos de período eleitoral.

Para cumprir este exercício, inicialmente temos uma rápida apresentação da teoria da Lingüística textual que suportará a análise destacando algumas considerações da autora Ingedore Koch sobre a questão da análise Textual, gêneros textuais e algumas informações sobre pressupostos e implícitos.

Para está análise foi escolhido o corpus do texto do 13ª Encontro nacional- Diretrizes para a Elaboração do Programa de Governo – Diretrizes para a elaboração do Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores (Eleição presidencial 2006), evidentemente numa tentativa de continuar este trabalho, este corpus deve ser ampliado para validar as conclusões a que se chega aqui.

As contribuições da Lingüística Textual

A Lingüística Textual pode oferecer ao professor subsídios indispensáveis para a realização do trabalho acima mencionado: a ela cabe o estudo dos recursos lingüísticos e condições discursivas que presidem à construção da textualidade e, em decorrência, à produção textual dos sentidos. Isto vai significar, inclusive, uma revitalização do estudo da gramática: não, como um fim em si mesmo, mas com o objetivo de evidenciar de que modo o trabalho de seleção e combinação dos elementos lingüísticos, dentro das variadas possibilidades que a gramática da língua nos põe à disposição, nos textos que lemos ou produzimos, constitui um conjunto de decisões que vão funcionar como instruções ou sinalizações a orientar nossa busca pelo sentido.

Estratégias cognitivo-textuais

Assim sendo, é preciso que os produtores de textos dominem uma série de estratégias de organização da informação e de estruturação textual. A continuidade de um texto resulta de um equilíbrio variável entre dois movimentos fundamentais: retroação e progressão. Desta forma, a informação semântica contida no texto vai distribuir-se em (pelo menos) dois grandes blocos: o dado e o novo, cuja disposição e dosagem interferem na construção do sentido. A informação dada (ou aquela que o produtor do texto apresenta como dada) - tem por função estabelecer os pontos de ancoragem para o aporte da informação nova.

A retomada desta informação opera-se, por meio de remissão ou referência textual, que leva à formação, no texto, de cadeias referenciais coesivas. Estas cadeias têm papel importante na organização textual, contribuindo para a produção do sentido pretendido pelo produtor do texto. Contudo, é preciso, também, considerar que a remissão se faz, freqüentemente, não a referentes textualmente expressos, mas a "conteúdos de consciência", isto é, a referentes que estão presentes na memória discursiva dos interlocutores e que, a partir de "pistas” ou ‘âncoras’ encontradas na superfície textual, são (re) ativados, via inferenciação.

Importante é chamar a atenção para as estratégias argumentativas, que desempenham papel vital na construção do sentido. Podem-se destacar aqui, apenas a título de exemplo, a estratégia da referenciação por expressões nominais definidas, o uso de operadores ou conectores argumentativos, o emprego de modalizadores, de índices de pressuposição ou de avaliação, o uso argumentativo dos tempos verbais, a seleção lexical e o inter-relacionamento de campos lexicais; a argumentação por autoridade polifônica, entre muitas outras. (cf. Koch, 2004, 2005, 2006).

O emprego, por exemplo, de uma expressão nominal introduzida por artigo definido ou por pronome demonstrativo (descrição definida) implica uma pressuposição de conhecimento partilhado e obriga o interlocutor a uma busca no contexto, cognitivo ou situacional. Por outro lado, visto que a descrição definida normalmente opera uma seleção, entre as possíveis propriedades, qualidades e defeitos do referente, daquela ou daquelas que, em determinado contexto, interessa destacar, isto é, selecionam aquelas mais adequadas ao projeto de dizer do produtor do texto, seu emprego vai exigir do interlocutor a percepção do por que da escolha de uma e não de outra, no contexto dado.

Informações implícitas.

Quando analisamos um discurso, é possível focalizarmos dois níveis de informação: o que está implícito e o que se revela como implícito. O explícito é facilmente localizável por meio de construções das frases que tecem o discurso e que podem não revelar com profundidade a “intenção” de seus locutores, já as informações implícitas, ou seja, as que estão nos entremeios do discurso, podem revelar muito, auxiliando inclusive a detectarmos tantos outros discursos que estão envolvidos. Os pressupostos e subentendidos. Os pressupostos são localizáveis por meio da própria materialidade lingüística do discurso, enquanto os subentendidos ficam por conta da enunciação, como se estivessem sugerindo algo que não podemos comprovar muito bem.

Vejamos os exemplos:

1. Da classe, Paulo é o mais simpático. (informação implícita = o restante da turma é antipática).
2. O céu está carregado. (informação implícita = pode chover)

As formações imaginárias associadas aos pressupostos do discurso político.


Exemplar de discurso no texto:

“O Brasil herdado por Lula era um país marcado por uma gravíssima crise social e muito dependente dos movimentos erráticos do capital especulativo nacional e internacional, submetidos a regras do FMI, (...), amedrontado pela possibilidade de repetição aqui da crise que se havia abatido pouco antes na Argentina. Graças ao Governo Lula conseguiu reverter a Balança Comercial e o Balanço de Pagamentos (...)” “Pouco mais de três anos a ação do Governo Lula evitou a catástrofe”.

“Foi necessário desencadear um processo de reconstrução do Estado, enfraquecido por forte crise fiscal, por privatizações, terceirização de seu pessoal, pelo caráter conservador das políticas públicas anteriormente postas em práticas.”

“A Bolsa Família revelou-se meio eficaz para dinamizar a construção de um grande mercado de bens de consumo de massa. Trata-se de um importante instrumento econômico que confere às famílias em situação de emergência social um direito claramente definido.”

“O programa para as eleições tem dois pontos de partida, por um lado às realizações do Governo Lula, que o colocam muito à frente dos últimos governos, sobretudo o do de FHC. Por outro lado, nosso objetivo de construir um Brasil democrático e popular, liberto da dependência externa, com a soberania nacional e igualdade social. Não se trata , de ficar preso à comparação com o medíocre governo FHC.”


Proposta de estrutura do discurso político:

Partido X Ex-Presidente

Do esquema acima podemos pensar sobre:

Que imagem o Partido faz de si mesmo e de seu representante?
Que imagem o Partido faz de seu concorrente?
Que imagem o Partido faz do povo?
Que imagem o Partido faz daquilo que promete?


Quadro dos pressupostos com suas imagens estabelecidas:


Informações pressupostas
concretização das imagens

1. A herança Brasil quase falida, sem identidade; dependente ; amedrontada e submetida a Bancos Mundiais.

Neste parágrafo, o partido cria a imagem de um Brasil (herdado), o qual ele recebeu como herança, que estava em crise, dependente, amedrontado e submetido a bancos; o partido prepara o seu interlocutor criando a imagem de que ele realmente tinha a consciência do que marcava o país e, portanto foi a pessoa que conseguiu heroicamente reverter à crise e “salvou” o país.

2. O estado foi destruído, vendido, privatizado, terceirizado, estagnado.

Novamente trabalha-se com a imagem de um governo que destruiu o país, vendeu seus bens e o estagnou. Neste parágrafo também se trabalha com a imagem do concorrente, mas carregada de aspecto negativos, afinal o partido tem de destruir a imagem de FHC para elevar a de seu candidato.

3.
-Povo estava carente;
-necessitado
-desamparado constitucionalmente;


O partido constrói a imagem de que o governo anterior desrespeitava a constituição, não se importava com a classe carente. O partido afirma que seu Plano Bolsa família é fator gerador de economia e é dado como garantia constitucional. Este discurso camufla o “assistencialismo” e a estagnação da sociedade mais carente que se tornou dependente do plano e ficou carente de uma política que da o peixe, em vez de ensinar a pescar.

4.
- superioridade governamental em relação ao anterior;
- há um projeto de construção da Democratização
- o plano do governo anterior era medíocre e antidemocrático.

O partido constrói uma imagem positiva sobre as propostas associada a uma imagem de processo de recente democratização e respeito aos direitos da constituição. É a técnica de mostrar que, o país será mais democrático, se de fato aprovarem o candidato nas eleições.

Verificação lexical do discurso:

Para que possamos entender melhor a especificidade deste discurso, há que considerar também a escolha muito atenciosa que o locutor faz das palavras com as quais vai adjetivando, determinando circunstâncias, ou seja, manipulando a linguagem a seu favor. Tais como:

- Verbos flexionados preferencialmente no presente do indicativo como forma de intensificar as medidas atuais para os problemas da gestão passada, pois são eles que mais atormentam a população. O pretérito preferencialmente é empregado para remeterem-se as deficiências do governo passado.

- Adjetivos com forte carga semântica para dimensionar melhor as atitudes como: amedrontado, submetido, privatizador, conservador.

- Algumas figurativizações aparecem no discurso e dá margens a interpretações subjetivas por parte do interlocutor como: medíocre governo FHC, Lula evitou a catástrofe.

Primeiramente, é preciso esclarecer que o esquema acima proposto para nos referimos ao discurso político deve ser analisado de cima para baixo. Em tempos de propaganda eleitoral, o partido intermedia seu representante (Lula), e utiliza-se de um arsenal discursivo a fim de propagar a ideologia de que o partido alcançou algo jamais conquistado e que seu representante é o responsável por isso, levando o interlocutor a acreditar que de fato Lula reinventou a democracia e a implantou definitivamente.

Para tanto constrói uma imagem negativa do governo FHC, chegando a afirmar que seu governo fora medíocre, conservador e antidemocrático. Poderíamos analisar o texto de diversos ângulos, também não foi possível discutir todos os fatores que contribuem para a construção do sentido global do texto. Tivemos apenas o intuito de apresentar um gênero textual com os quais temos contato em nossa sociedade e fazer uma analise que pudessem contribuir para uma melhor observação a respeito do gênero político discursivo e seus implícitos.

Contudo, podemos concluir que o trabalho com os gêneros textuais sob a ótica da lingüística contribui para a formação do aluno e professor, diferentemente do que circula na escola, levando os a construir sua interpretação no/pelo texto. Ressaltamos por meio da analise a importância da Lingüística Textual para analisar um texto, uma vez que, muda a concepção do que é um texto e de como se poder trabalhá-lo em sala de aula. Esperamos que o artigo viesse contribuir para futuras discussões a respeito desses gêneros textuais.

BIBLIOGRAFIA

BUNZEN, C e Mendonça, M (orgs). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo. Parábola, 2007.
Koch, I.G.V. (2005) A Coesão Textual. São Paulo: Contexto.
_______ (2006) A inter-ação pela Linguagem. São Paulo: Contexto.
_______ (2005) O Texto e a Construção dos Sentidos. São Paulo: Contexto.
_______ (2004) A Coerência Textual. São Paulo: Contexto.
_______ (2004) Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez.
_______ (2006) Ler e compreender. São Paulo: Contexto
Entrevista com Ingedore Koch - http://paginas.terra.com.br/educacao/revel/edicoes/num_1/entrevista.htm - 01/04/2007, 15:40.
22/05/206 – 13ª Encontro nacional- Diretrizes para a Elaboração do Programa de Governo – Diretrizes para a elaboração do Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores (Eleição presidencial 2006). http://www.pt.org.br/ retirado dia 28/03/2007, às 12:10.
KEHL, Maria Rita. Paradoxo brasileiro. Època – Edição 202, 01/04/2002.

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