quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Essa análise foi feita como avaliação da matéria Estilística ministrada pelo mestre Landeira

A autora...

Cecília Meireles

"...Liberdade, essa palavraque o sonho humano alimentaque não há ninguém que explique e ninguém que não entenda..."(Romanceiro da Inconfidência) Filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil S.A., e de D. Matilde Benevides Meireles, professora municipal, Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu em 7 de novembro de 1901, na Tijuca, Rio de Janeiro. Foi à única sobrevivente dos quatros filhos do casal. O pai faleceu três meses antes do seu nascimento, e sua mãe quando ainda não tinha três anos. Criou-a, a partir de então, sua avó D. Jacinta Garcia Benevides.

Escreveria mais tarde:"Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno.(...) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade.(...) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão.

Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano."Conclui seus primeiros estudos — curso primário — em 1910, na Escola Estácio de Sá, ocasião em que recebe de Olavo Bilac, Inspetor Escolar do Rio de Janeiro, medalha de ouro por ter feito todo o curso com "distinção e louvor". Diplomando-se no Curso Normal do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, em 1917, passa a exercer o magistério primário em escolas oficiais do antigo Distrito Federal.

E publicou este poema em 1942, quando se torna sócia honorária do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro (RJ).

“Desejo uma fotografiacomo esta — o senhor vê? — como esta:em que para sempre me riacomo um vestido de eterna festa.” Quem não desejará uma fotografia assim? Este é um dos poucos poemas em que Cecília Meireles parece inconformada com a certeza da efemeridade das pessoas e dos sentimentos. A necessidade de eternizar um momento de felicidade pode entender-se quando tão lucidamente se vêem as diferenças que a vida e o tempo provocam em nós.
Encomenda

1. Desejo uma fotografia
2. como esta — o senhor vê? — como esta:
3. em que para sempre me ria
4. como um vestido de eterna festa.
5. Como tenho a testa sombria,
6. derrame luz na minha testa.
7. Deixe esta ruga, que me empresta
8. um certo ar de sabedoria.
9. Não meta fundos de floresta
10. nem de arbitrária fantasia...
11. Não... Neste espaço que ainda resta,
12. ponha uma cadeira vazia.


Análise:

No primeiro verso da primeira estrofe o “eu” lírico inicia a interlocução com um fotógrafo, a quem ela solicita (encomenda) uma fotografia, como a que estava lhe mostrando, possivelmente sua mesmo de outra época mais jovem. A fotografia é o registro de um determinado momento e pode ser guardado para sempre, mesmo que materialmente, sentimentalmente, podemos relacionar a necessidade de congelar o eterno e efêmero. Pela materialização do “eu” lírico pelo verbo desejar, podemos deduzir pela análise da palavra “desejo”, os sons de (E) reforça o sentido de pequenez, estriteza – som estridente, chamando por algo, o (O) reforça tristeza / morte. Em seguida temos o artigo indefinido “uma” se analisarmos o (U) reforça a idéia de medo, talvez ficasse pior sem a foto e o (A) reforça a idéia de passagem, transitoriedade, novamente a idéia de eterno efêmero.

Podemos deduzir certa “ânsia” no seu “desejo”, como podemos ver pela quantidade de vogal (e) na primeira estrofe, “desejo” este, de eternizar um momento de felicidade. A anáfora: como esta, como esta, já nos remete a essa “ânsia”. Necessidade de resgatar o que foi positivo na sua vida, repetição que dá ênfase a um momento em que para ela foi importante, evocando o passado e uma imagem exterior que ela deseja como sendo sua representação. Os versos três e quatro confirmam essa necessidade de eternizá-la com a aparência jovem, sorridente, bem vestida, (...) em que para sempre ria... vestida de eterna festa.... podemos pensar que se tratava de uma época em que o “eu” lírico estava no auge da sua vida, sorridente, feliz, belamente vestida. Contando a quantidade de vogais (A) que tem na estrofe podemos confirmar a idéia afetiva em relação a sua imagem exterior. Um saudosismo toma conta da interlocução com o fotografo.

Na segunda estrofe, quinto verso, o “eu” lírico segue argumentando em relação às diferenças que a vida e o tempo provocam em nós, a sua aparência que contradiz com a que deseja, dizendo que a sua face é sombria: melancólica, triste (ver Mini Dic. Aurélio), no sexto verso há uma antítese com o verso sete e segue com o verbo no imperativo: “derrame luz” (ver Mini Dic. Aurélio) na minha testa, ou seja clareie minha face, enfatize a minha, inteligência, sabedoria, deixe de lado a transitoriedade do tempo que me corrói.

E segue no verso sete com o verbo no imperativo: “deixe a minha ruga”, ou seja, as minha marcas, para que estas características misturem-se com a imagem desejada. O que nos revela um conflito dual, exterior versus interior, o exterior deseja afirma-se e resgatar aspectos que contradizem com o seu interior melancólico, mesclando-se, consciente da efemeridade do tempo e dos sentimentos. A quantidade de vogal (E) na segunda estrofe reforça essa sensação de que o exterior pode camuflar o interior, reforçada pela quantidade de vogais (A). Essa transitoriedade sugere relação com a própria vida da autora quando ela diz: (...) Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade. Podemos dizer que é quase uma metáfora da sua vida.

O “eu” lírico continua argumentando no 9ª verso com o advérbio (não) no imperativo, dizendo que não fantasie, não enfeite, não deturpe o pano de fundo da sua vida (encomenda). A palavra floresta sugere paisagem, presença de verde o que transmite renovação, esperança, esplendor, originalidade, maturidade, vistoso. Há uma relação com a necessidade de não fantasiar a sua vida, (pano de fundo), porque nem tudo foi esse mar de rosas, podemos relacionar a vida da autora acostumada com beleza e desastre em sua vida. Reforça novamente no 11ª verso com o advérbio (não) no imperativo, enfatizando pela repetição que não fantasie o resto de vida que ainda resta. A reticência reforça a reflexão já feita no verso anterior. Ou seja, não destorça a realidade, não fantasie. A palavra resta no 11ª verso, nos da à idéia de um fado a ser cumprido, o som vibrante do (R), som pesado que reforça o rastejar que é sua vida, o podemos associar ao fato do “eu” lírico citar o seu lado obscuro de melancolia quando diz que tem a face escura e sombria.

E por fim pede que neste resto, podemos entender de vida que ainda resta, coloque uma cadeira vazia, ou seja, coloque este assento vazio que representa um vácuo (ver Mini Dic. Aurélio). O “eu” lírico deseja que se deixe o espaço vazio para que seja preenchido por algo, alguém, mas que não seja fantasia, irreal. Se analisarmos pela função da cadeira, ela é: estática, útil, ao mesmo tempo recebe as pessoas em sua poltrona, pessoas que vão e vem e que não permanece ali por muito tempo, isto sugere uma relação novamente com a vida da poetiza. Como é sabido, Cecília Meireles conviveu com a sina da morte, as pessoas que ela mais amava passaram muito rápido em sua vida. É se relacionarmos com a cadeira; pelo assento da cadeira passa varias pessoas. Novamente a questão do eterno versus efêmero, a cadeira pode permanecer no lugar o tempo todo, mas as pessoas passam. Então deixe no lugar da vida, pois haverá a possibilidade de alguém sentar-se novamente.

A poetisa usa formas verbais no imperativo que reforçam o seu desejo pelo objeto a (foto), a sua imagem, por exemplo: desejo, derrame, deixe, meta, ponha. Note também a dualidade exterior, interior: ria, festa, sombrio, ruga. O título encomenda nos remete a necessidade do ser humano de tentar resgatar o que já passou, na intenção de rever-se novamente naquele estado, é a busca da imagem que o “eu” lírico gostaria de ser para sempre, mas ao mesmo tempo cai na real de que seus traços marcados pelo tempo já o remete a outra realidade, cabendo a foto e a sua produção tentar eternizar essa imagem que não volta mais, mas não vale a imagem ser fantasiada tem de haver uma mistura do eu atual com o eu que era e sempre desejei ser, mas não sou mais.

Não há simetria no poema. O poema é todo rimado: estrofe um, verso um: fotografia, verso três: ria, verso dois: esta, verso quatro: festa , ab,ab. Estrofe dois, verso 1: sombria, verso quatro: sabedoria, verso 2 e verso 3: teste, empresta (ab,ba). Terceira estrofe verso um e três: floresta, resta e segundo e quarto (ab,ab). Outro fato interessante é a repetição do léxico: como esta, como esta, como (...) enfatizando o desejo. Comparação o eu (eu) e o (eu) sugerido, a repetição do não, não que direciona o olhar do interlocutor para o que se deseja e o real

Como podemos ver, a questão da transitoriedade da vida e dos sentimentos permeia o poema da poetiza. A necessidade de guardar para sempre o passado, misturado com o presente, ciente da idéia de futuro, nos trás um pouquinho das questões da vida.

Bibliografia


Goldstein, Norma. Análise do poema. São Paulo. Editora: Ática, 2001

http://www.releituras.com/cmeireles_bio.aspGoldstein,

http://www.revista.agulha.nom.br/wilsonmartins001.html

http://www.barbacenaonline.com.br/articuliastas/ricardotollendal/230307.htm

Um comentário:

Unknown disse...
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